sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Descobertas

A surpresa foi grande quando Ella notara que não mais o amava . Afinal foi o primeiro namorado, amor, homem. Todos os milhões de segundos que compartilharam de suas vidas e seus (di) sabores, os olhares de paixão e raiva, o frêmito que tomava o corpo em êxtase ou em cólera, a voz embargada e as gargalhadas, todos os dias e todo o sempre haviam abruptamente estacionado num local há muito proibido por sua consciência: no vazio. De repente tudo não significava mais nada... Não sabia mais o que a faria ficar em pé, quanto mais retomar os passos de sua própria vida. Qual a direção, a velocidade, o impulso que tomaria para chegar aonde nem sequer sabia...? Sabia que precisava fechar os olhos e encarar a escuridão que lhe habitava, sabia também que era extremamente necessário que abrisse as janelas e as portas para arejar seu interior e lavar o assoalho de sua identidade. Sabia que o tempo não esperaria a sua faxina da alma e ela tinha muita pressa de viver os segundos, desta vez só seus. Tinha pleno discernimento do exagero dos “recém-libertos” e do risco de ficar aprisionada a essa sede desvairada de viver.

Na vida pregressa estava sempre esperando que algo acontecesse. A diferença agora, pensava ela, estava na dinâmica de procurar e não na passividade de esperar. Estava decidida a procurar não sabia o quê, nem aonde caberia. O primeiro passo foi restaurar sua imagem desfocada, reencontrar-se com aquela do reflexo. O segundo e mais importante passo foi investigar-se meticulosamente, saber todos seus pormenores e maiores anseios, e finalmente, afogada em seu auto-querer, respirar o oxigênio de seu (re)conhecimento.

Passo-a-passo, cada vez mais, o novo rumo exalava a fragrância tentadora da liberdade. E a excitação de poder se redescobrir nos olhos de outro, de deslizar seu corpo em outras mãos, sentir o novo sabor da saliva, de se definir em palavras sussurradas por um timbre diferente, era algo que ecoava veemente no vácuo de suas indefinições. Enchendo-a de centelhas, como naquelas velinhas crepitantes de aniversário felizes. Ella virou um cronômetro das horas na contagem do tempo que demorava para reencontrar-se nele.

Mas, eis que nesse meio tempo, permitiu ser arrastada para as águas d'antes navegadas. O amor que julgava morto se regenerara tão de repentemente surpreendente como o notara ter se extinto.

Ella, então, estava novamente escamoteada à vida vivida e sem sentido que a fazia perturbadoramente segura. E inerte.

2 comentários:

  1. A mulher livre assusta os homens. Sua força e sua delicadeza. Por isso ela procura não só a liberdade de sentir, mas de ser sentida - e consentida - se necessário for nos braços de um novo amor, de uma paixão inesperada. A liberdade é uma moça desprevinida e por isso feliz. Quando percebeu, foi conquistada e descabelada! Adorei o texto.

    Besos

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